O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos angolano, Francisco Queiroz, admitiu hoje que houve violações dos direitos humanos de parte a parte, no incidente de Cafunfo, província da Lunda Norte, que provocou pelo menos seis mortos, cinco feridos e 16 detidos. Como ninguém se entende, com o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, a dizer uma coisa diferente (assim como o Comandante da Polícia, Paulo de Almeida), aguarda-se que, se puder, João Lourenço diga de sua justiça.
Francisco Queiroz falava no final de um encontro mantido com a sociedade civil angolana, no qual participaram também o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, e o comandante-geral da Polícia Nacional, Paulo de Almeida, sobre os incidentes de sábado no sector de Cafunfo, município do Cuango, na Lunda Norte, numa manifestação em que os populares são acusados pela polícia de uma rebelião armada.
De acordo com o governante angolano, a análise em termos de direitos humanos tem que ser feita na perspectiva do agressor e do agredido, e o primeiro “teve claramente atropelo aos direitos humanos”.
“Ninguém pode pegar em armas, atentar contra a vida das pessoas, temos que recordar que um oficial superior das forças armadas foi agredido, esteve quase à morte, foi incendiado com uma bomba de fabrico artesanal e um comissário da polícia também, claramente houve atentado aos direitos humanos aí, para além de outras implicações”, disse.
Do lado da polícia, prosseguiu o ministro, o comandante-geral da Polícia Nacional lamentou as mortes, reconhecendo que “houve de facto essa forma de lidar com aqueles que já não tinham vida (estaria a falar de mortos?), aqueles que estavam mobilizados, infelizmente uma prática que tem que ser revista”.
“O senhor comandante disse que vai haver um inquérito para responsabilizar aqueles que actuaram dessa maneira”, frisou.
Segundo Francisco Queiroz, o diálogo foi mais amplo, mais abrangente, tocando-se em questões que, embora não tenham uma relação muito directa, têm a ver com a situação.
“Foi um bom diálogo, todos ficaram felizes pela oportunidade e recomendaram a continuidade desta linha de actuação”, afirmou.
O titular da pasta da Justiça e dos Direitos Humanos salientou que a Procuradoria-Geral da República vai desenvolver a sua acção “ouvir pessoas, colher testemunhas, provas, organizar o processo e dar o andamento que tem de ser dado”.
Instado a comentar o pronunciamento, terça-feira, do comandante-geral da Polícia Nacional sobre a proporcionalidade de força, Francisco Queiroz considerou “o papel da polícia ingrato, porque nem sempre é possível de conciliar o que está em causa, que é a defesa do Estado, e os direitos humanos”.
O comandante-geral da Polícia Nacional afirmou, terça-feira, que na defesa da soberania de um Estado não pode haver proporcionalidade, como defendem os juristas.
“Isso é muito bom na teoria jurídica, nós aprendemos isso no direito. O Estado não tem proporcionalidade, você quando está a atacar a unidade, o Estado, o símbolo, está a atacar o povo”, referiu Paulo de Almeida, reforçando que “aqueles que tentarem invadir as esquadras ou qualquer outra instituição para tomada de poder, vão ter resposta pronta, eficiente e desproporcional da Polícia Nacional”.
Francisco Queiroz disse que fica às vezes difícil definir os limites no terreno, quando o polícia que está em cima do acontecimento, há dificuldades de “saber até onde vai o seu poder, até onde tem que respeitar os direitos humanos e às vezes acontecem coisas desagradáveis”.
“A proporcionalidade é outra questão, porque eu apareci com uma arma, com armas brancas, com instrumentos contundentes, fiz um golpe, a polícia tem que também tomar o mesmo tipo de arma, fazer golpe idêntico. Não é prático, não é assim, nenhuma polícia faz isso”, rematou.
O ministro reforçou que o que estava em causa era a defesa de um símbolo de poder, uma esquadra da polícia e uma bandeira nacional, que estava para ser substituída “com armas, por um grupo grande de pessoas”.
“Então, a proporcionalidade é um conceito difícil de usar nesta situação, é um acto quase de guerra, como é que eu vou para a guerra e vou estar a medir proporcionalidade, é um pouco por aí que temos que analisar e ver a dificuldade operativa que por vezes a polícia tem. A polícia não pode estar a fazer juízo no momento que tem que actuar, porque senão quando acordar está morto”, sublinhou.
Francisco Queiroz avançou que vai haver um inquérito criminal e outro do ponto de vista da actuação da polícia.
Segundo a polícia angolana, cerca de 300 pessoas ligadas ao Movimento do Protectorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), que há anos defende a autonomia daquela região tentaram invadir, no sábado, uma esquadra policial e em defesa as forças de ordem e segurança atingiram mortalmente seis pessoas.
A versão policial é contrariada pelos dirigentes do MPPLT, partidos políticos na oposição e sociedade civil (incluindo bispos da Igreja Católica) local que falam em mais de uma dezena de mortos.
E, enquanto o míssil “intercontinental vai dar a volta depois vai atacar”, parafraseando o emblemática tese de Paulo de Almeida, o Presidente João Lourenço (e já há dúvidas se de facto ainda é ele quem manda no país) confina-se no silêncio conivente com a barbárie e com as explicações de quem, por ter uma espécie de cérebro no intestino, sempre que fala expele porcaria.
O comandante-geral da Polícia Nacional disse que pelo lado das autoridades não está a decorrer nenhum inquérito, apenas o processo-crime que foi aberto. Bem visto. Se, até prova em contrário (que só o MPLA pode determinar) todos somos culpados, não há necessidade de inquéritos. Isso só acontece em estados ditatoriais. Nas democracias e estados de Direito que são referência para o MPLA, os inquéritos não existem. Vejam-se os casos da Coreia do Norte e da Guiné Equatorial.
“Vou inquirir o quê? Eu não fui lá [Cafunfo] para fazer inquérito, fui lá para constatar a situação que ocorreu. Há um processo-crime que está a correr os seus trâmites legais, é aí e ponto final, não há inquérito. Se algumas organizações querem fazer isso já é um outro assunto, connosco não há inquérito, fique bem claro”, afirmou Paulo de Almeida. Eventualmente melhor do que Paulo de Almeida para chefiar a Polícia só mesmo uma reencarnação de Idi Amin Dada.
Recorde-se que o então Comissário Chefe da Polícia Nacional, Paulo de Almeida, dizia em Dezembro de 2015 que as últimas manifestações convocadas pelos partidos da Oposição tinham como objectivos a tomada do poder, um golpe de Estado, portanto, motivo pelo qual as forças de segurança as impediram. Nessa altura foi “capturado”, tal como agora na Lunda, um vasto arsenal bélico, com destaque para umas centenas de… cartazes contra o regime.
Na altura, Paulo de Almeida sublinhou também que a Polícia Nacional sabe quais são as intenções dos manifestantes. E sabe com certeza. Se até consegue saber o que os cidadãos pensam… E então no que pensavam esses golpistas? O Comandante responde: “O público pode não saber isso, mas nós sabemos, então agimos em conformidade. Eu sei que isso não vai agradar às pessoas mas a verdade é esta. Nós estamos aqui para garantir a segurança de todos”.
De todos é como quem diz. De todos os bons, os do MPLA, queria dizer Paulo Almeida. Os outros, chamem-se Manuel de Carvalho Ganga, Cassule ou Kamulingue, não contam como cidadãos e, sempre que possível, devem entrar a cadeia alimentar dos jacarés… sem necessidade de inquéritos.